terça-feira, outubro 24, 2006

Da solidão.



O fim da tarde de outono trazia nuvens escuras, a óbvia previsão de chuva e aquela inquietante sensacão de solidão. Não entendia como podia a sua solidão ser tão elétrica. Imaginara a solidão algo calmo, cortante mas sereno, pois afinal, não se tem mais nada. Se está só. Porque então essa tensão, esse fervor, se era estar só que sentia?

Sabia que teria problemas pra chegar em casa. A chuva viria, as ruas alagariam, os ônibus lotariam. Resolveu que não se curvaria ao tempo. Se ao menos tivesse hoje podido visitar o banheiro em paz. Mas não. Estivera o dia todo ocupada. E quando tinha alguma folga dos clientes, o chefe não perdoava. Olhava-o e imediatamente vinha em sua memória a página do dicionário. Tinha olhado na semana anterior. Gosmento, que tem gosma ou consistência de gosma, babento, baboso, que escarra muito, catarrento, adoentado, fraco. Sabia que todas as definicoes cabiam-lhe perfeitamente, mas preferia "fraco". O chefe era um fraco. Um fraco, que tinha algum poder. Se é que se pode chamar "poder", ser chefe das vendedoras de sapato naquela loja. Mas transformava esse pequeno ecossistema em seu universo pessoal e abusava deste efêmero poder. Um fraco.

Parou de divagar. Resolveu que não se curvaria ao tempo, repetiu. Tinha que repetir suas decisões mentalmente, seguidamente, como que pra realmente se convencer. Não se curvaria ao tempo. A qual tempo se referia? Não sabia mais. Possivelmente ambos.

Acabado o expediente, a solidão ainda no peito acompanhava a disposicão de chegar em casa, já que o céu ameacador ainda permanecesse na ameaca. A pé, cortando caminho pelo parque, evitaria os ônibus e os inconvenientes das multidões amplificadoras da solidão. Caminhava lentamente por entre as árvores, respirava o ar mais puro possível naquela cidade. Lembrou-se do cheiro que havia comecado tudo. Precisava chegar em casa. Então deu-se conta de que näo. Não precisava chegar em casa. O que havia lá?

A promessa então se cumpriu e dos céus veio uma chuva de gotas gordas, daquelas que encharcam antes de que se tenha chance de abrigo. Afinal, pra que se abrigar da água? Havia visto na TV. Ou num livro, quem sabe. Provavelmente na TV, mas gostava de pensar que tinha lido, e que havia imaginado por conta própria a imagem da sedutora mocinha solitária embaixo da chuva. A chuva redentora. A chuva que tem que estar em toda história de sofrimento e amor. Sentiu-se a mocinha. Levantou os bracos para o céu, como tinha imaginado, ou visto. Fechou os olhos e ficou sentindo cada gota de chuva que encostava em seu corpo. Sentia quanto uma gota maior tocava seus lábios e sentia prazer quando esta se atrevia em seus seios. O cheiro. A água invadiu suas roupas e sentia que invadia mais que isso. Mas sabia que era água o que tinha por companhia. Sabia que não passava de uma solitária que já encontrava na chuva um parceiro. Precisava gritar. Precisava pegar o responsável por tudo isso pelo pescoco. Pega-lo, coloca-lo numa cadeira, amarrado, espanca-lo. Ou melhor, deixa-lo. Deixa-lo amarrado a uma cadeira, uma TV à sua frente. Todo dia, novela. Todo dia algo feliz, alguém mais feliz, alguém mais bonito, alguém mais magro, alguém mais perfeito, alguém Mais.

A chuva então cessou. E Verônica se sentiu ridícula, toda molhada, parada no meio do parque com as mäo erguidas aos céus.

segunda-feira, outubro 23, 2006

Deus Existe!



Deus existe! ...e está mijando na minha cabeça desde 1974... (Pt-Br)
Es gibt Gott! ...und er pisst auf meinem Kopf seit 1974... (De)
There is God! ...and he pisses on me since 1974... (En)

quinta-feira, outubro 19, 2006

texto n.20 (Verônica)


Verônica trabalha em uma loja de departamentos, setor de calçados. Sexta feira sempre foi o pior dia da semana, sempre de ressaca. Normalmente só podia dormir umas 3 horas. Mas o que fazer? Se não der para aproveitar a vida, ela não vale. E isso inclui as noitadas de quinta.

Ela odeia seu emprego, patrão, colegas de trabalho e clientes. Esses últimos são os piores, quem afinal precisa acordar tão cedo para comprar sapatos?

Suas colegas de trabalho também não ajudam. Todas vestindo aquele horrível uniforme verde, com cabelos tingidos porcamente. E o papo então?

Sexta feira, ressaca violenta, não ajuda nem um pouco a tolerar essa situação. Na verdade a coisa já está meio amortizada. Está tudo mecânico, robótico, quando um cliente esbarra nela.

Ao invés de se sentir incomodada, ela sente um cheiro. Cheiro de homem, que a faz lembrar do tempo em que está sem sexo. Ela não viu o rosto, ou quem era. Apenas ficou o cheiro e uma estranha perturbação.

- Vou buscar mais uns calçados lá embaixo. Fala pra colega.

Ao chegar no estoque, percebe que passou direto pelas mercadorias e parou na frente do banheiro.

- Devo estar louca. Pensa

Mesmo assim entra no banheiro. Escolhe a última cabine – que tem maior espaço. Entra, mesmo sem vontade de usar o banheiro. Encosta a mão na parede, olha sua saia. Começa a lembrar do cheiro que sentiu antes, quando esbarrou no cliente.

Automaticamente começa a subir a saia e baixar a calcinha. A diversão começa com toques suaves de seus dedos, partindo da carícia para penetração intensa.

Ela não consegue pensar mais no trabalho. Pensa no cheiro. Pensa que está tendo um momento bom, enquanto os outros estão lá fora trabalhando. O mundo para ali. O mundo gira ali. Nada mais importa, a não ser esse momento.

Ela percebe que nunca teve um momento tão bom quanto esse que está tendo agora, em anos de trabalho. Como ela não pensou nisso antes?

Ela termina. Olha a porta. Cheira sua mão. Lava as mãos e se olha no espelho. Volta ao trabalho de mãos vazias, mas com a sensação do dever cumprido.

Foi seu melhor dia de trabalho. A partir de então suas visitas ao banheiro ficaram freqüentes.

segunda-feira, outubro 16, 2006

Em Busca de um Manifesto pela Complexidade

Existem muitas coisas nesse mundo que me decepcionam profundamente. Existem também coisas que simplesmente me fazem sentir impotente diante dos efeitos maléficos de se viver em nossa sociedade. Uma dessas coisas é o simples fato de que eu sei quem é um ser chamado Paris Hilton. Esse fato, o simples fato de que eu sei que ela existe é a evidência suprema da aberracão em que vivemos. Eu me pego muitas vezes desgostoso por saber que minha mente é tão impotente perante aos meios de comunicacão.

Obviamente que eu poderia escolher ser um ermitão, viver numa montanha, já que praia deserta hoje é difícil encontrar. Mas não é esse o ponto. Eu não quero me isolar. Eu quero que a informacão que chegue a mim seja relevante. Que seja complexa. Chega de comida mastigada, chega de entender o final do filme, chega de ter mais informacão disponível sobre o fim de semana ou casamento de algum idiota do que sobre ciência, arte ou filosofia. Chega de ter como meta o fim, ao invés de ter o caminho como meta.

Já ouvi de alguns amigos sobre música: "nao adianta, quando você acha que eles chegaram no fundo do poco, no ano que vem eles lancam algo pior". Porquê? E não estou aqui falando de música, eu estou falando de tudo. Porquê eles lancam algo pior? O que é ser pior?

Em geral, pior é falar algo mais grotesco, fazer algo mais "baixo-nível", um ator de meia-tijela que tem um "projeto". Em geral, é fazer algo mais simples e vendável. "Nossa, a música dele é tão gostosa, tão fácil de ouvir". "Ah! Gosto tanto deste escritor, você lê o livro dele e nem parece que está lendo, nem percebeu, chegou ao fim".

Pois é, chegou ao fim. E você não se lembra de nada, pois não tinha nada. Nem parece um livro! A música acabou e você não percebe, pois vem outra. Igual. Ou tão fácil quanto. Tão estúpida quanto.

Por isso o que busco é um manifesto. Busco um manifesto nos moldes de um dogma, mas que não restrinja, expanda. Mas ao expandir, que torne tudo complexo. Que torne tudo dolorido. E que todos gostem dessa dor, pois é ela que ensina. É ela que por fim mantém em mim a vontade de estar aqui.

domingo, outubro 15, 2006

O beijo

Levantou-se e era tudo igual. O café quente descia a garganta junto ao pão com manteiga. No jornal, as mesmas noticias estúpidas do dia anterior. Um beijo. Bom dia. No caminho ao trabalho olhava as árvores, avermelhadas nesta época do ano. O fim de semana teria tempo bom, um chá à beira do mar, ao sol, protegidos do vento pela grande janela de vidro, lenha queimando à lareira. As folhas vermelhas misturavam-se às amarelas ainda sentindo um respingo de vida em suas veias. Sentia ainda um respingo de vida em suas veias. E não sabia avaliar o resultado desse sentimento. Queria viver, dizia. Não queria, sabia. As árvores afunilavam-se num corredor interminável e o vento levantava as folhas em rodamoinhos, prontamente destruídos pela massa poderosa de seu carro. Na curva, uma árvore atingia seu explendor de beleza, elevando-se àcima das outras, distinguindo-se como uma rainha. Sentia o vento frio entrando pela fresta da janela e, levando o ar ao fundo dos pulmões, regava aos sentidos alguma esperanca. Os olhos fixos na rainha, não entendia como seria ser uma rainha. Näo soube em todo o tempo, o que seria ser um ser. O corredor de árvores sorria torto, um sorriso quente e aconchegante, avermelhado e amarelado pelas folhas numa manhã azul. Então compreendeu por um instante. Os músculos relaxaram enquanto a boca serena enlacava-se em um nobre beijo.

sábado, outubro 14, 2006

Caminhos



Caminhos,
esses são escolhas.
Por vezes acreditamos saber
onde nos levam,
mas a verdade é que
há o desejo de acreditar neles.
Porque o estar perdido
é o incerto, o que não sabemos,
o que ainda não pensamos.
Esse nos leva pelo mundo
com miragens e emboscadas.
O seguro segue o caminho conhecido,
com obstáculos calculados.
O sonhador escolhe atalhos,
trilhas ou o vento, o perfume,
o prazer do instantâneo.
Não há certo ou errado,
o que existe é a caminhada
e como a fazemos.

quarta-feira, outubro 11, 2006

texto n. 19 (mao na perna)

Uma mão na perna.

Foi assim que tudo começou.

Cumprimentos e rituais sociais em mesa de bar.

Depois de algumas bebidas: uma mão na perna.

Uma ação que só leva alguns segundos, mas dura uma eternidade.

O problema não é o ato em si, e sim de quem pertence essa mão.

Não é a mão da namorada ao lado, e sim da irmã de um amigo na mesa.

Uma mão na perna.

Algo libidinosamente inocente. Uma ingenuidade cruel.

Uma mão na perna que ao invés de melhorar, estraga a noite.

Alguém que colocou a mão na hora errada.

Alguém muito esperta que viu no primeiro segundo.

Alguém que só emprestou a perna.

Uma mão na perna.

terça-feira, outubro 10, 2006

texto n. 18 (Sao Jorge é matador de dragao, mas nao trouxa)

Jorge sempre foi um cara gozado. Desde cedo sempre fez jus à fama de “São Jorge – o matador de dragões”. Claro que não era proposital, simplesmente acontecia. O pior é que sempre estava com seu amigo Carlos, parceiro de noitadas que fazia questão de anotar e espalhar para todos as desventuras do nosso herói bíblico.

Na ultima noite saíram juntos, mais uma vez, para uma festa universitária.

- Vai ter mulher pra caralho. Farmácia! Sinaliza Carlos

- Com certeza. Melhor que Farmácia só Pedagogia. Conclui Jorge.

Depois de algumas latas e vinho de garrafão, lá está Carlos se dando bem com uma mina.

- (Porra, o bixo já se adiantou. Não posso ficar atrás). Pensa Jorge, a essa altura já de olho em uma gordinha perto dele.

- (Essa ai é gordinha, mas tem cara de safada. Melhor do que ficar no zero a zero. Já peguei piores). Raciocina, partindo pra cima.

Papo vem, papo vai e começa a catação.

- (Tinha razão, essa mina é safada mesmo. Pelo que entendi ela mora aqui perto. Melhor assim, não tenho que gastar com táxi). Ainda no seu jogo de levá-la o mais rápido para a cama, com o menor custo e tempo preciso.

- Olha Jorge, gostei de você. Você me deixa com muita tesão, mas não vamos transar.

- (O que ela está me falando?) ok...

- Eu SEI que você vai insistir. Eu SEI que você vai perguntar o por quê...

- ("Por quê"?? O que essa gordinha ta querendo dizer? Acho que ela quer jogar, então beleza) Ok... Não vou insistir e nem perguntar. Vivemos em um país livre (ah... mereço um Oscar!).

- Sério? Você não quer nem ao menos saber o por quê?

- (há! Sabia! Se fazendo de difícil, para eu entrar no jogo de perguntas e insistências) Não.

- ... Mas eu falo mesmo assim. Não tem nada a ver contigo. É que sou da Igreja Batista, e só posso transar depois de casar.

- (Que merda ela está me falando?) É isso mesmo? Não estás de gozação?

- Não. Já pequei nessa vida e me arrependi. Sei que é difícil, mas está na bíblia.

- Então a gente leu bíblias diferentes, a que conheço só diz “crescei e multiplicai”.

- Você conhece a bíblia?

- Minha família é católica (sua crente do caralho).

- Então... na minha está escrito que o corpo é sagrado, e que devo esperar o casamento para concluir essa comunhão. Mas eu sei que você ainda vai insistir nesse assunto. Todos os homens são iguais.

- (putz... além de crente é recalcada) Não, não vou insistir. Na verdade estou até saindo fora. Prazer em conhecer.

- Você já vai (sem nem insistir um pouquinho???)?

- Sim. Tchau Tchau (posso ser “São Jorge”, mas não trouxa).

Sem ainda entender a dispensa e a não insistência, ela se aproxima de Carlos.

- O Jorge é teu amigo?

- Sim.

- Tudo bem, não quero te atrapalhar. Vai fundo que essa menina que você está falando eu já conheço: fácil. Conclui dando um apertão na bunda de Carlos.


quarta-feira, outubro 04, 2006

Novo Best-Seller

Diretamente de Schleswig-Holstein, extremo norte da Alemanha, o livro que vai guiar e preparar a cabeça da juventude que segue à capital em busca de aventuras, conhecimento e salas de cinema:





ps: Grünkohl é um prato típico do norte da Alemanha. É a "coisa verde" no prato acima. Numa tradução livre seria "couve verde" e só é preparada no inverno.
Para saber mais: wikipedia (em alemão)

terça-feira, outubro 03, 2006

texto n. 17 (a mais santa da cidade)


A mais santa da cidade.

A mais santa da cidade sabe ser provocante na hora certa.

Sabe ser provocante na hora errada.

Faz diferentes juras para diferentes caras, de diferentes raças e diferentes credos.

Joga, mas muitas vezes não paga pra ver.

A mais santa da cidade sempre tem alguém que cuide dela.

Alguém que pague para ela.

Alguém que pague por ela.

Mas nunca alguém que a tranque e guarde a chave.

No seu bolso cabem muitas coisas, mas nunca as certas.

A mais santa da cidade também tem humor.

A mais santa da cidade também tem TPM.

Tem muitas coisas, mas nunca a certeza sobre o que quer.

Mas tem destreza.

Não tem qualidades domésticas.

Tem um falso moralismo de fazer milagres.

O que importa é continuar sendo a mais santa da cidade.

Mesmo que de mentirinha.

domingo, outubro 01, 2006

quando penso que já vi de tudo...

Sempre achei ridículo gente que compra jeans "rasgado", "furado", etc. É forcar a barra ao extremo. Ou voce tem um jeans que com o uso do tempo acabou rasgando, ou vc tem um novo.

Agora, comprar um já rasgado - é uma idiotia completa. É dizer "sou cool, tenho jeans rasgado, surrado" "quanto tempo? R: 3 dias".

Bem, nao vou me aprofundar sobre isso, porque descobri que o buraco já está mais embaixo.

Nessas "navegacoes" pela internet, me deparei com um site de Jeans (nudie jeans).

Agora, além de vender rasgado, surrado, vendem "sujo". Isso mesmo. No estilo "6 meses sem lavar", para fazer a juventude ser mais descolada ainda!

Abaixo fotos extraidas do site, que nao me deixam mentir:



ps: por módicos 120 euros